30.9.05

Vendo coisas em Marte... de verdade

A superfície de Marte sempre foi palco de ilusões: pirâmides, canais, faces, etc. Mas agora podemos ver de perto o que realmente existe e acontece por lá. E é muito mais interessante que os borrões de décadas passadas, com suas interpretações dignas do teste de Rorschach. Por exemplo, que tal ver de perto vários "mini-tornados" (os chamados "dust devils") passeando pela superfície marciana? Inúmeros filmes montados a partir das imagens geradas pelas sondas que por lá passeiam estão disponíveis aqui.

29.9.05

O Caçador de Fantasmas

Estou passeando pela livraria, quando vejo em grande destaque em uma das bancadas, o livro: "Como Caçar Fantasmas" de um tal Joshua P. Warren. Abro o livro ao acaso e a primeira coisa que leio me arrepia os cabelos da nuca como a assombração de uma menininha com os cabelos no rosto. Apressadamente peço uma caneta e um papel à vendedora e transcrevo o seguinte trecho, da página 83:

"Técnicos de som dizem que nós já possuímos a tecnologia para gravar uma conversa que aconteceu horas ou dias antes em um local. Ao falar, tudo o que você projeta são vibrações. O ouvido da outra pessoa interpreta as ondas como som. No entanto as vibrações que criam os sons nem sempre se dissolvem imediatamente. Algumas continuam a ricochetear na área por muito tempo depois de terem sido transformadas em sons pelo ouvido. Se fizermos gravações extremamente baixas em um local e depois as reproduzirmos numa velocidade ultra-alta, essas ondas podem ser restauradas para sua velocidade original. Como você deve imaginar esta tecnologia tem um valor especial para a comunidade jurídica.
Pelos bigodes do gato do Schrödinger! Mas será que não há limites para a picaretagem?! Será que qualquer amontoado de bobagens sem pé nem cabeça pode virar um livro hoje em dia?
"Ao falar, tudo o que você projeta são vibrações. O ouvido da outra pessoa interpreta as ondas como som."
Sim, as ondas sonoras produzidas pela voz são vibrações. E esta foi a última coisa coerente que o autor disse. A partir daí, é só junk science da pior espécie.
"No entanto as vibrações nem sempre se dissolvem imediatamente".
O que "se dissolve" é sal na água, carbono no ferro, açucar no cafezinho... uma onda sonora não "se dissolve" no ar. Ou será que o autor já viu alguém retirar o ar de uma sala e dizer "opa, aqui está aquela onda sonora de novo!".
"Algumas continuam a ricochetear na área por muito tempo depois de terem sido transformadas em sons pelo ouvido"
Uma onda sonora não é como uma partícula que fica ricocheteando num espaço confinado. Assim como as ondas causadas por um pedra em um lago se propagam em todas as direções, formando anéis ao redor do ponto onde a pedra caiu, também as ondas sonoras se propagam em todas as direções, esfericamente, a partir da fonte. Quanto mais distante da fonte, mais fraco fica o som, uma vez que a energia da onda se distribui em uma superfície cada vez maior. Além disso, boa parte da energia da onda é perdida através do calor durante sua viagem. Este processo no qual uma onda perde energia à medida que se propaga é conhecido por atenuação e cada meio possui o seu coeficiente de atenuação. Ao atingir um obstáculo como uma parede ou uma cadeira, a onda sonora perde ainda mais energia (quanto mais macio o obstáculo, como uma cortina, mais energia ela perde). O resto da onda é então refletida de volta, como luz num espelho, geralmente interferindo com a próxima frente de onda que vem logo atrás. Por isso dizer que algumas ondas (quais? em que condições?) ficam ricocheteando durante dias (será que se alguém abrir a porta elas escapam?) e que é possível gravá-las e escutá-las depois de todo esse tempo é coisa de desenho animado do Tom & Jerry (que é de onde parece ter vindo todo o conhecimento de física do autor).
Se fizermos gravações extremamente baixas em um local e depois as reproduzirmos numa velocidade ultra-alta, essas ondas podem ser restauradas para sua velocidade original.
Hein? Alguém vê o menor sentido nisso? O que pode sair de uma gravação "extremamente baixa" tocada numa "velocidade ultra-alta"? (Eu poderia tentar mas não tenho um player que atinja velocidades mach 1).
"Como você deve imaginar esta tecnologia tem um valor especial para a comunidade jurídica."
Sim, como evidência num tribunal para colocar este picareta atrás das grades.


Para conferir o resto, folheie o livro na Amazon clicando aqui. O trecho em questão é o primeiro parágrafo da página 87 da edição americana.

27.9.05

O Devanear de um Céptico

Confesso que não tenho uma mente habilitada para poesias, mas esta me chamou a atenção. É de Bernardo Guimarães e transcrevo somente os trechos mais interessantes. Está toda aqui.
Ó mortal, por que assim teus olhos cravas
Na abóbada do céu? - Queres ver nela
Decifrado o mistério inescrutável
Do teu ser, e dos seres que te cercam?
Em vão seu pensamento audaz procura
Arrancar-se das trevas que o circundam,
E no ardido vôo abalançar-se
Às regiões da luz e da verdade;
(...)

Oh! feliz quadra aquela, em que eu dormia
Embalado em meu sono descuidoso
No tranqüilo regaço da ignorância;
Em que minh'alma, como fonte límpida
Dos ventos resguardada em quieto abrigo,
Da fé os raios puros refletia!
Mas num dia fatal encosto à boca
A taça da ciência - senti sede
Inextinguível a crestar-me os lábios;
Traguei-a toda inteira -, mas encontro
Por fim travor de fel - era veneno,
Que no fundo continha -, era incerteza!
Oh! desde então o espírito da dúvida,
Como abutre sinistro, de contínuo
Me paira sobre o espírito, e lhe entorna
Das turvas asas a funérea sombra!
De eterna maldição era bem digno
Quem primeiro tocou com mão sacrílega
Da ciência na árvore vedada
E nos legou seus venenosos frutos...
(...)

Ó pálidos fanais, trêmulos círios,
Que nas esferas guiais da noite o carro,
Planetas, que em cadências harmoniosa
No éter cristalino ides boiando,
Dizei-me - onde está Deus? - sabeis se existe
Um ente, cuja mão eterna e sábia
Vos esparziu pela extensão do vácuo,
Ou do seio do caos desabrochastes
Por insondável lei do cego acaso?
Conheceis esse rei, que rege e guia
No espaço infindo vosso errante curso?
Eia, dizei-me, em que regiões ignotas
Se eleva o trono seu inacessível?

Mas em vão interrogo os céus e os astros,
Em vão do espaço a imensidão percorro
Do pensamento as asas fatigando!
Em vão - todo o universo imóvel, mudo,
Sorrir parece de meu vão desejo!
Dúvida - eis a palavra que eu encontro
Escrita em toda a parte - ela na terra,
E no livro dos céus vejo gravada,
É ela que a harmonia das esferas
Entoa sem cessar a meus ouvidos!
(...)

Filosofia, dom mesquinho e frágil,
Farol enganador de escasso lume,
Tu só geras um pálido crepúsculo,
Onde giram fantasmas nebulosos,
Dúbias visões, que o espírito desvairam
Num caos de intermináveis conjeturas.
Despedaça essas páginas inúteis,
Triste apanágio da fraqueza humana,
Em vez de luz, amontoando sombras
No santuário augusto da verdade.
Um palavra só talvez bastara
Pra saciar de luz meu pensamento;
Essa ninguém a sabe sobre a terra!...
(...)

Se ao menos eu soubesse que co'a vida
Terminariam tantas incertezas,
Embora os olhos meus além da campa,
Em vez de abrir-se para a luz perene,
Fossem na eterna escuridão do nada
Para sempre apagar-se... - mas quem sabe?
Quem sabe se depois desta existência
Renascerei - pra duvidar ainda?!...

Angustiante ser levado à descrença pela ciência. Este poema enche uma bela aula de literatura e sobra para outra de filosofia. Quem sou eu para arranhar qualquer uma das duas...

23.9.05

Minha apresentação

Uma boa e uma má notícia.

A boa notícia é que minha apresentação na I Conferência Iberoamericana sobre Pensamento Crítico (pra quem não sabe, com o tema: "A Penetração das Pseudociências nas Universidades") foi um sucesso, como desabafo e denúncia. A notícia triste é que, assim como na violência, na desigualdade social, na burocracia e em outras estatísticas lamentáveis, pude constatar que o Brasil também detém a primazia latinoamericana na presença das pseudociências e do misticismo dentro da universidade.

Minha apresentação foi a segunda do domingo, por volta das 10 h. Parece que muita gente preferiu dormir até mais tarde neste dia, porque o auditório estava relativamente vazio. Uma pena, não tanto para mim, mas porque quem não estava lá perdeu também a primeira apresentação do dia, de Celso Aldao, que foi realmente excelente.

Diante de uma audiência simpática - a esta altura eu já conhecia quase todos - fiquei bastante tranquilo, preocupado somente em não estourar o tempo, o que já havia gerado um ríspido puxão de orelhas do Alejandro Borgo aos primeiros palestrantes.

A palestra foi muito bem recebida. Todos riram muito em vários slides, especialmente aqueles que mostravam o curso de extensão em "Ecologia da Mente" da UFRJ, os disparates de Luiz Tronconi, da UnB, publicados na mídia, bem como sua relação com o paranormal Luiz Carlos Amorim (habitué da universidade), e a comunicação com os mortos e técnicas de defesa contra vampirismo estudadas pelo NIETE da UFRGS.

Depois da apresentação, quando me juntei ao Celso Aldao para responder às perguntas, alguém mais chocado quis saber do representante argentino se algo parecido estava acontecendo também por lá. Não só Aldao naquele momento, mas todos os outros com quem conversei depois, concordaram que a situação no Brasil é assombrosa e disparadamente pior que qualquer coisa que já tenham visto. O tema voltou à tona algumas vezes ainda durante perguntas a outros palestrantes durante o resto do dia.

Ir à Argentina falar mal do Brasil é fácil. Agora vamos ver se consigo causar igual impressão na comunidade científica brasileira. Depois de publicar o artigo (que já circula entre alguns amigos mais chegados) na revista Pensar, pretendo publicar uma versão modificada por aqui, em algum periódico respeitável.

Metade da reação portenha já seria bem vinda...

22.9.05

A Conferência

Sábado, dia da conferência.

Alguns minutos antes da abertura o Luiz Gutman me encontrou através do meu crachá. Gutman é um dos primeiros céticos ativistas nacionais e seu nome é o único contato brasileiro na lista do CSICOP. Antes ainda da internet ele já editava um fanzine chamado "Opção Racional (In Truth we Trust)" que enviava gratuitamente a centenas de associados. Como todo projeto cético que se destaca, este também acabou sucumbindo sob o peso do próprio sucesso quando os custos ficaram altos demais. Juntos eu e ele éramos "la equipe brasileña" da conferência.

Havia umas 80 pessoas inscritas, um sucesso segundo o Luiz Gamez, que acompanha os eventos céticos na europa há algum tempo. Estavam lá o Juan deGenaro do Argentina Skeptics, o Diego Zúñiga do La Nave de Los Locos, o Alejandro Agostineli do Perspectivas e muitas outras pessoas, algumas que eu já tinha encontrado na noite do dia anterior. Fiquei satisfeito em ver que todos já conheciam o Projeto Ockham.



A abertura era para ter sido feita pelo Paul Kurtz mas ao que parece ele está proibido de viajar por ordens médicas, por isso fez sua apresentação em um vídeo gravado. Logo em seguida tiveram início as apresentações dos trabalhos.

Ao longo dos dois dias seguintes houve algumas apresentações memoráveis. Joe Nickell (foto) com sua fala mansa e precisa apresentou suas investigações de santas e quadros que choram e aproveitou para promover seu livro "Looking for a Miracle: Weeping Icons, Relics, Stigmata, Visions & Healing Cures". Sobre o "Milagre do Sangue" que brota da imagem de São Genaro na Itália e outros ícones similares (busque no blog CienCet) Nickell desenvolveu sua própria mistura de cera e mel de abelhas, que acredita ser uma explicação mais adequada do que a dos pesquisadores italianos. Richard Branham, com o trabalho "Seria Deus um Piadista Cósmico", basicamente nos provou que a Terra é um pouco mais velha do que dizem os criacionistas e especulou sobre os motivos que levariam Deus a criar a Terra há seis mil anos atrás com a aparência de 4,5 bilhões de anos. Luiz Gamez falou sobre as teorias conspiratórias e começou sua apresentação de maneira hilária nos convencendo que o CSICOP na verdade era um grupo que tenta dominar o mundo censurando a comunidade científica. Ernesto Gil Deza, oncólogo, provavelmente fez a melhor apresentação de todo o congresso, arrancando gargalhadas com comentários ferinos e inteligentíssimos sobre a própria medicina. Enrique Márquez (foto), ilusionista, deixou que as imagens dos vídeos sobre cirurgias espirituais exibidas na televisão argentina falassem por si próprias. Foi chocante e revoltante. Um dos vídeos exibidos foi o do Cacique Raoni sendo recebido pelo presidente Sarney depois de supostamente curar o biólogo Augusto Ruschi com um ritual mágico (Ruschi veio a falecer meses depois). Enrique mais tarde me revelaria que já estudou os charlatães do lado de cá também, como Zé Arigó. Celso Aldao discorreu sobre o método científico e sobre porque pseudociência é uma coisa e ciência é outra. O que poderia ter sido uma apresentação sem surpresas, já que o público era composto de céticos de carteirinha que já conheciam bem o tema, acabou sendo genial graças ao talento de Aldao em comunicar de forma clara e agradável. Alejandro Borgo fez uma apresentação autobiográfica, quase confessional, mostrando como abandonou seus estudos de parapsicologia depois de anos tentando reproduzir os efeitos psi sem sucesso. Borgo foi brilhante mostrando como se pode aplicar o ceticismo e o método científico ao estudo dos fenômenos paranormais, e nos matou de rir contando como testou um homem que dizia ser capaz de excitar mulheres à distância... Diego Zuñiga e Pablo Capanna encerraram de forma genial falando sobre o papel da imprensa na difusão da pseudociência. De quebra fizeram todo mundo rolar de rir tanto com as manchetes equivocadas da imprensa espanhola - como "Câncer pode ser curado com Métodos Matemáticos" (!) - como com o sensacionalismo barato dos jornais chilenos, como na impagável foto de uma equipe do exército armada até os dentes em meio a selva, ao lado da manchete "Chupacabras cercado".

No final, mais do que estas e outras apresentações, o mais importante da conferência foram os contatos realizados e o clima de amizade, camaradagem e cumplicidade entre todos os presentes.

Agora só falta repetirmos o evento no Brasil.

19.9.05

Joe Nickell

Joe Nickell é uma das pessoas mais amáveis, simpáticas e engraçadas que já conheci na vida.

Para aqueles que não dispensam sua apresentação, Mr. Nickell faz parte do CSICOP (Comitte for Scientific Investigation of Claims of Paranormal) e é autor de dezenas de livros que são referências para os céticos de todo o mundo.

Encontrei-o no lobby do hotel, logo depois do almoço (que merece um post à parte sobre a comida argentina). Ele estava com Alejandro Borgo, editor da Pensar e coordenador do evento, e Benjamin Radford, editor assistente da revista. Quando me apresentei e disse que era um grande fã dele, Nickell abriu um largo sorriso e exclamou "Oh, my second fan!!" e me deu seu cartão de visitas, um nickel de madeira (nickel... Nickell, entendeu?). Depois me explicou que aquele nickel era mágico e o fez sumir entre seus dedos e aparecer em lugares inusitados, performance que eu o veria fazer diversas outras vezes ao longo dos dias seguintes, sempre com o mesmo entusiasmo.

De início achei que ele seria uma figura um tanto inacessível mas estava bastante enganado. Nos dois dias seguintes conversamos muito, o que só fez crescer minha admiração por ele. Na noite de sábado eu e Juan deGenaro, do "Argentina Skeptics" tentavamos fazer uma espécie de "entrevista coletiva" com Benjamin, que trabalha investigando fenômenos paranormais com Nickell, no bar do Hotel, quando o próprio Nickell se sentou em nossa mesa e nos brindou com horas de conversa impagável. Eu, que até então estava gravando tudo meio improvisadamente com o Palm da minha esposa, pedi permissão a ele para que pudesse gravar suas palavras. Ele me disse "I'm very shy...", mas concordou. De qualquer maneira a esta altura o Palm já tinha travado duas vezes (não se pode confiar em nada que não use Mac OS?!) e a entrevista trilíngue não estava rendendo muito para o fim que eu gostaria (um futuro podcast cético), com mais e mais pessoas chegando ao bar, o barulho de fundo ficando cada vez mais alto e as cervejas passando perigosamente sobre o Palm na mesa. Depois de um tempo desliguei o troço todo e curti a conversa.

Depois da minha apresentação no domingo abandonei um pouco a conferência e o encontrei sentado no corredor, descansando e rascunhando algo em um bloquinho. Ele puxou conversa e me disse que tinha gostado bastante da minha apresentação (que foi em espanhol, mas com tradução simultânea). Um elogio do Joe Nickell... coisas que o dinheiro não paga. Depois me revelou que está escrevendo um livro infantil para seu neto e que escreve poesias nas horas vagas. Tudo sem computador, que odeia (aliás ele não tem email), o que eu já tinha desconfiado quando ele utilizou um velho projetor de slides em sua apresentação; projetos que deu tanto trabalho, que depois de conseguir deixar tudo funcionando Nickell exclamou com outro largo sorriso "it's a miracle!!".

Encontramo-nos novamente no lobby do hotel, na segunda feira, quando mais ou menos à mesma hora todos fechavam suas contas. Conversamos um pouco mais sobre a melhor maneira de divulgar o ceticismo, perguntei-lhe sobre o racha no CSICOP e a saída de algumas pessoas logo nos primeiros anos e mais algumas coisas. Ele acredita que o ceticismo só pode ser conduzido com investigação e pensa que esta investigação deve ser feita de mente aberta e não simplesmente chegando ao local do fenômeno arrogantemente já convencido de que se trata de uma farsa e usar de todos os meios para desmascará-lo. Em resumo, ele não acha impossível que exista uma casa realmente assombrada, apenas não descobriu nenhuma ainda.

Finalmente nos despedimos com uma brincadeira, com ele dizendo que eu poderia ser seu discípulo. E eu sem nenhum livro seu para pedir uma dedicatória... (como se sabe, a única maneira decente de se pedir um autógrafo a alguém).

Grande Mr. Nickell... espero vê-lo novamente.

16.9.05

Na Argentina enfim

Aqui estou eu, depois de alguns contratempos, no Hotel Regente Palace, para a I Conferência Latino Americana sobre Pensamento Crítico promovida pela revista Pensar.

Felizmente o hotel dispoe de una Oficina de Negocios (computador na internet), assim vou poder fazer como planejado e manter a meia dúzia de leitores desse blog atualizada sobre o que se passa por aqui.

Até agora consegui me desencontrar do meu cicerone, o Alejandro Borgo, que havia ido me buscar no aeroporto. Por causa disso acabei descobrindo que os motoristas de taxi daqui sao tao ladroes como os do Rio. Mas vamos ao que interessa.

No café da manha, depois de ouvir a palavra "CSICOP" vinda de uma das mesas, consegui descobrir algumas das pessoas do congresso. Era Luiz Gamez, jornalista, sua esposa, Juan Soler e Paolo Zerbato, todos vindos da espanha. Batemos um delicioso papo, que já antecipa a diversao que será esta conferencia, sobre como divulgar o ceticismo, documentários céticos (Gamez carrega uma bolsa cheia de documentários em DVDs, incluindo um sobre os Círculos nas Plantaçoes que se nao me engano passou ontem na National Geographic aí no Brasil) e outras coisas. Logo mais encontraremos o resto do pessoal, incluindo o Alejandro que deve estar querendo saber se estou vivo...



obs: por mais que tente nao consigo encontrar o til nesse teclado, por isso acostumem-se...

13.9.05

Edmundo, o Céptico

Cecília Meireles

"Naquele tempo, nós não sabiamos o que fosse cepticismo. Mas Edmundo era céptico. As pessoas aborreciam-se e chamavam-no de teimoso. Era uma grande injustiça e uma definição errada.

Ele queria quebrar com os dentes os caroços de ameixa, para chupar um melzinho que há lá dentro. As pessoas diziam-lhe que os caroços eram mais duros que os seus dentes. Ele quebrou os dentes com a verificação. Mas verificou. E nós todos aprendemos à sua custa. (O cepticismo também tem o seu valor!)

Disseram-lhe que, mergulhando de cabeça na pipa d'água do quintal, podia morrer afogado. Não se assustou com a idéia da morte: queria saber é se lhe diziam a verdade. E só não morreu porque o jardineiro andava perto.

Na lição de catecismo, quando lhe disseram que os sábios desprezam os bens deste mundo, ele perguntou lá do fundo da sala: "E o rei Salomão?" Foi preciso a professora fazer uma conferência sobre o assunto; e ele não saiu convencido. Dizia: "Só vendo." E em certas ocasiões, depois de lhe mostrarem tudo o que queria ver, ainda duvidava. "Talvez eu não tenha visto direito. Eles sempre atrapalham." (Eles eram os adultos.)

Edmundo foi aluno muito difícil. Até os colegas perdiam a paciência com as suas dúvidas. Alguém devia ter tentado enganá-lo, um dia, para que ele assim desconfiasse de tudo e de todos. Mas de si, não; pois foi a primeira pessoa que me disse estar a ponto de inventar o moto contínuo, invenção que naquele tempo andava muito em moda, mais ou menos como, hoje, as aventuras espaciais.

Edmundo estava sempre em guarda contra os adultos: eram os nossos permanentes adversários. Só diziam mentiras. Tinham a força ao seu dispor (representada por várias formas de agressão, da palmada ao quarto escuro, passando por várias etapas muito variadas). Edmundo reconhecia a sua inutilidade de lutar; mas tinha o brio de não se deixar vencer facilmente.

Numa festa de aniversário, apareceu, entre números de piano e canto (ah! delícias dos saraus de outrora!), apareceu um mágico com a sua cartola, o seu lenço, bigodes retorcidos e flor na lapela. Nenhum de nós se importaria muito com a verdade: era tão engraçado ver saírem cinqüenta fitas de dentro de uma só... e o copo d'água ficar cheio de vinho...

Edmundo resistiu um pouco. Depois, achou que todos estávamos ficando bobos demais. Disse: "Eu não acredito!" Foi mexer no arsenal do mágico e não pudemos ver mais as moedas entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, nem da cartola vazia debandar um pombo voando... (Edmundo estragava tudo. Edmundo não admitia a mentira. Edmundo morreu cedo. E quem sabe, meu Deus, com que verdades?)"


Texto extraído do livro "Quadrante 2", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962, pág. 122.fonte


Basicamente o texto se chama "Edmundo, o Céptico" mas bem que poderia se chamar "Edmundo, o Chato".

Edmundo é um cara que não aceita "sim" como resposta. Duvida de tudo e de todos e está sempre disposto a ir às últimas consequências para descobrir a verdade, mesmo que isso signifique colocar sua cabeça nos trilhos de um trem para descobrir se pode parar uma locomotiva em movimento. Edmundo é um bocado burro.

Edmundo não confia muito na ciência também, pois esteve às voltas com o moto contínuo; na certa duvidou do seu professor de física que lhe ensinou entropia e segunda lei da termodinânica tanto quanto de seu professor de catecismo. Edmundo é um radical patológico.

Edmundo é um sujeito bastante inadequado. Alguém que não vê a diferença entre um mágico que entretém as pessoas com truques e um charlatão que usa os mesmos truques para explorar a fé e dor alheia, só pode mesmo ser um mala sem alça.

Edmundo morreu cedo, ateu certamente, o que talvez Cecília desconfie quando pergunta, quase aflita, "quem sabe, meu Deus, com que verdades?"

Pois Edmundo representa o esteriótipo que aqueles que lutam pela razão e pelo pensamento crítico, e infelizmente exercem o ofício de duvidar, precisam se libertar para se estabelecer como movimento sério e responsável nesse país.

10.9.05

Ouvindo os dois lados...

Já que o presidente Bush disse que os estudantes deveriam conhecer os dois lados do debate evolução x criacionismo, por que não ampliar essa idéia?



"I think it’s important for them to hear both sides of the debate."
["Acho importante que eles ouçam os dois lados do debate."]

8.9.05

Criticando o "jornalismo científico"

O texto merecia uma tradução, mas como é muito longo, fica apenas o link para uma excelente crítica à forma como a ciência é divulgada na imprensa, por Ben Goldacre, colunista do The Guardian. De brinde, algumas espetadas no pessoal da área de humanas.

5.9.05

Além da imaginação

Uma das conseqüências de se envolver com pensamento crítico, ceticismo, etc, é que você começa a ter contato com certas facetas do comportamento humano que, de outra forma, talvez não tivesse a oportunidade ou simplesmente não prestaria atenção.

Uma das coisas que mais impressiona é a nossa criatividade, nossa imensa capacidade de inventar esquemas para enganar o próximo. E tão impressionante quanto isso é a facilidade com que o próximo cai nesses esquemas.

É até compreensível que alguém seja enganado pela publicidade de uma terapia alternativa bem apresentada. A pessoa tem um problema crônico de saúde, muitas vezes tem pouco acesso a informação, desconfia dos médicos "impessoais" e por aí vai. Dá para entender.

O que não dá para entender é porque alguém pagaria 325 dólares por um curso em "exopolítica" ou, em bom português, diplomacia galática.... Este curso ajuda a "formar cidadãos que possam fazer contato com extraterrestres de forma a promover a paz, a fraternidade e a cooperação entre os humanos e os extraterrestres". E isso de forma a complementar a diplomacia que "já" ocorre entre os governos e os extraterrestres, sem conhecimento do público. Quem estiver a fim de se separar de quase mil reais, vá em http://www.galacticdiplomacy.com/index.htm

E o mais interessante é que no mesmo site são vendidos aqueles passeios onde você pode nadar com golfinhos, por 750 dólares para um grupo de cinco pessoas. Não está bem claro se isso faz parte do curso. Talvez eles tenham lido e acreditado no "Guia dos Mochileiro das Galáxias" (onde golfinhos e camundongos são na verdade ETs mais inteligentes que nós) e o contato com os golfinhos seja a parte prática do curso.

E qualquer passeio ainda inclui uma meditação em grupo e as últimas informações sobre "ETs/Diplomacia Galática/Golfinhos"... É claro que eles aceitam todos os cartões de crédito.

3.9.05

Com funcionam...



O Método Científico:

"Aqui estão os fatos. Que conclusões podemos tirar deles?"

O Método Criacionista:

"Aqui estão as conclusões. Que fatos podemos usar para suportá-las?"

1.9.05

O Vocabulário Cético

A prova de que o combate às pseudociências ainda têm um longo caminho para percorrer no Brasil é que nem sequer desenvolvemos o vocabulário adequado para isso.

Vejam o termo Conspiracists por exemplo, que em inglês se aplica àqueles que culpam teorias da conspiração por qualquer coisa fora da ordem. Ao tratar dos Moon Conspiracists no meu artigo sobre o mito de que o Homem não foi à Lua, precisei lançar mão do neologismo "conspiracionistas". Na verdade minha primeira opção era cunhar o termo "conspiracistas" que me parecia mais fiel ao original, mas desisiti quando descobri que a palavra não tinha nenhuma ocorrência no Google. Se "conspiracionista" ainda não está no Aurélio, ao menos já aparece na versão em português do Dicionário Cético.

A própria atividade fim do ceticismo organizado é difícil de ser traduzida. Debunk é o que fazem os céticos quando desaprovam teorias malucas, desmascaram charlatões e desmistificam mitos. Um debunker não precisa ser um cético ativista e certamente nem todo cético ativista é um debunker, já que muitos duvidam por duvidar e criticam por criticar. Um debunker nem precisa ser um cientista; mágicos como James Randi e, no passado Harry Houdini, são exemplos ótimos de debunkers. Por isso seria muito útil se tivessemos uma palavra em português para distinguir as duas coisas. Como bunk é algo grosseiramente falso - em inglês é como bullshit, ou crap - então talvez uma tradução possível fosse "desbesteirizar". Pensando bem é melhor aportuguesar o debunker... (em tempo: em espanhol percebi que o pessoal usa com sucesso o termo "desmontar" (ou "desconstruir") que serve bem afinal para traduzir debunk, mas ainda deixa o problema de arranjar uma palavra para o debunker, já que desmontador não fica nada bom...)

Também nos falta o vocabulário para fazer uma distinção adequada entre Medium e Psychic. O primeiro, que em português é médium mesmo, é aquele que funciona como um rádio para o além, transmitindo mensagens de quem já morreu. O segundo, que em português costumamos traduzir por "paranormal", ou "vidente" em alguns casos, é quem realiza curas espirituais, enxerga auras, faz previsões do futuro... coisas desse tipo. Ou seja, todo médium é um psychic mas nem todo psychic é um médium.

Balooney é uma palavra que até pode ser perfeitamente traduzida por "papo furado", embora a expressão precise ficar assim, entre aspas, nos textos mais sérios. Mais difícil é traduzir Bogus, como em Bogus Science, outra ótima palavra fora da biblioteca do cético brasileiro. Substituí-la somente por "falso" é subtrair todo o significado de coisa tola, inútil, que não funciona e nem faz sentido. É o caso da procura pelo moto contínuo, da homeopatia e da maioria das terapias aternativas.

É preciso certa experiência ao debunker para identificar um bogus scientist. O legítimo representante da Bogus Science é uma espécie de Rolando Lero da ciência, alguém que enrola, enrola, não chega a lugar nenhum e espera que suas credenciais científicas façam o trabalho que seus argumentos não foram capazes de fazer. No Brasil o expoente da Bogus Science é o doutor Flávio Calazans, maior responsável pela devoção que as mensagens subliminares têm em nosso país. Flávio Calazans adora sentenças recheadas de jargão impenetrável que não chegam a lugar nenhum como essa:

"(...) não se pode ignorar ser a signagem subliminar como construto segundo a antropologia cultural, enquanto definidos pelo semioticista da cultura Ivan Bystrina como Códigos HIPERLINGUAIS c.f. Nunes, p. 60, ao discorrer sobre a semiosfera como cenário dos produtos do meme “semiológico” ou melhor, Semiótico.

Puro balooney, ou melhor, "papo furado"...

De volta

Quase duas semanas sem postar!! Que vergonha... O Radar Ockham também ficou prejudicado e faz mais de um mês que não lançamos nenhum.

Claro que foi por pura falta de tempo e não por falta de dedicação à nobre causa da ciência e do pensamento crítico. Enquanto eu terminava os últimos retoques no meu artigo da I Conferência Latino Americana sobre Pensamento Crítico na Argentina, o Alexandre Taschetto fez a palestra de abertura na Semana de Química da Unicamp, com o tema: "A invasão da Pseudociência".

Prestem muita atenção na foto ao lado. Para quem conhece o Alexandre, esta foto, dele metido em terno e gravata no auditório da Unicamp, é equivalente a uma foto do Pé-Grande na corcunda do Monstro de Loch Ness...

Agora podemos voltar ao Projeto Ockham, ao Radar, ao Blog, a tradução do Learning Evolution de Berkeley, etc...

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